Crítica: Luke Cage e Punho de Ferro (2016) - pelo site Omelete

Uma tradição muito particular de histórias da Marvel Comics é a do chamado "nível do chão", aventuras que se passam em Nova York sem perder de foco questões urbanas: a pequena criminalidade, o impacto na rotina dos civis, os apuros que vigilantes passam para ganhar a vida e sustentar os seus. Embora sazonal, Luke Cage e Punho de Ferro sempre foi uma série importante dentro dessa tradição, e a última encarnação - encerrada recentemente depois de 15 edições - honra-a com competência.

Depois de um começo bem humorado, que fazia graça metalinguística com o fato de Luke Cage e Punho de Ferro ameaçarem uma volta dos Heróis de Aluguel, a série escrita por David Walker se revelou aos poucos um curioso estudo de personagens, que jogou com o lado mais emocional do "nível do chão". Na Power Man and Iron Fist de Walker, o Universo Marvel das ruas é povoado de tipos nostálgicos que um dia sonharam com a realização das maiores glórias (ou pelo menos dos maiores golpes) e tiveram que se contentar com um ou outro feito notável, como o ex-vilão que um dia derrubou o Golias Negro.

É uma premissa melancólica similar à dos filmes de gângsteres como Os Bons Companheiros, e nesse processo Walker estabelece relações de personagens bastante interessantes, como os vínculos entre Jenny e Mariah e entre Boca de Algodão e Piranha Jones - como se aos mafiosos em fim de carreira, ao colocar suas carreiras em perspectiva, percebessem que a única coisa que se leva dessa vida não são as glórias, mas as alianças. O grande lance desta Power Man and Iron Fist é criar laços de companheirismo que espelham a própria parceria entre Luke Cage e Danny Rand, e a enriquecem na comparação.

Dessa forma, Walker faz uma série que dialoga com o passado sem se limitar à nostalgia, à metalinguagem ou ao fan service, e que oferece uma boa releitura de velhos personagem sem descuidar de viradas na trama e da ação. A edição fundamental sobre a brincadeira com a tradição é a #5, em que Luke Cage e Punho de Ferro vão a um programa de rádio para dar sua versão de um acidente na rua. Ela é hilária no jogo de palavras ("não acho que Power Fist Mobile seja um bom nome para nosso carro, talvez em K'un Lun", avisa Luke), no retrato da relação que Nova York mantém entre seus heróis e seus cidadãos, e também na ação caricata, cujo padrão o ótimo desenhista Sanford Greene consegue manter ao longo da série.

Não fosse o desenvolvimento inconsistente do grande vilão dessa fase - o garoto encapuzado surge para ser um contraponto jovem, convencido e insensível aos velhos mafiosos, mas suas motivações oscilam demais em pouco menos de 10 edições - essa Power Man and Iron Fist teria encontrado um final emocional à altura do desenvolvimento dos seus personagens principais. Ainda assim, é uma HQ com personalidade que soube seguir o passo a passo das histórias urbanas da Marvel (passeando panoramicamente ou a fundo por questões de desigualdade social) e ainda deixar sua assinatura no caminho.


Nota do crítico: (ÓTIMO)

Fonte: omelete.uol.com.br - Marcelo Hessel

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